Participação Marista na II Conae
Brasília foi o palco da II Conferência Nacional de Educação (Conae), que encerrou-se no último dia 23 e que teve como tema central “O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e Regime de Colaboração”. A Conae organizou-se em sete eixos temáticos nos quais delegados participaram e elaboram as propostas para a educação do Brasil nos próximos anos, acompanhados por observadores e imprensa.
Convocada pela Portaria Ministerial n.º 1.410/2012, a II Conae teve por objetivo geral ser um espaço de “proposição de política nacional de educação, com a indicação de responsabilidades, corresponsabilidades, atribuições concorrentes, complementares e colaborativas entre os entes federados e os sistemas de ensino”.
Para o Brasil Marista, esta Conferência trouxe uma novidade: a articulação da presença de colaboradores maristas, por meio do trabalho de grupos vinculados à Área de Representação Institucional da UMBRASIL, que estruturou, também, com o GT PNE, a metodologia das conferências livres, legitimada e replicada pelo MEC (Ministério da Educação). Leila Paiva, coordenadora da área de Representação Institucional da UMBRASIL, explicou que “Foi a primeira vez que a instituição marista fez uma articulação nacional em torno dos temas a serem discutidos por uma Conae. Outra importante conquista foi a proximidade com o MEC durante o processo de elaboração e realização das conferências livres”.
Cabe destacar que a articulação prévia, para as conferências temáticas livres, resultou no crescimento do número de participantes maristas em relação a I Conae, o que já pode ser considerado uma conquista. A importância desse momento para a educação nacional denota que o processo de articulação e representação marista para a III Conae precisa ser contínuo para garantir maior participação nesse espaço.
As equipes da UMBRASIL e das Províncias Maristas participaram efetivamente nos 5 dias da Conferência, com a seguinte representação: a) Delegados: Ricardo Mariz, da UMBRASIL; Acádio João Heck, do Grupo Marista; Adelmo Etges e David Jorge Hatsek, da PMRS; b) Observadores: Aniela Almeida, do Grupo Marista; Leila Paiva, Michelle Jordão, Divaneide Paixão, da UMBRASIL; c) Imprensa: Deysiane Pontes e Oniodi Gregolin, da UMBRASIL.
II Conae em números
O FNE (Fórum Nacional de Educação), organizador da II Conae, informou que a etapa nacional recebeu 3,6 mil participantes. Destes, 2.658 delegadas e delegados de todo o país; 262 eram observadores; 45 convidados; 70 palestrantes; 138 jornalistas; 107 expositores; 42 acompanhantes; 17 pessoas relacionadas às atrações culturais; 114 visitantes; e 223 compuseram a organização do evento.
A Conae foi precedida por momentos de discussão nos municípios e estados, garantido uma ampliação do processo participativo. Os debates obrigatórios que precederam o encontro nacional ocorreram em 2013. Foram realizadas 2.824 Conferências Municipais/Intermunicipais, que reuniram 776.142 pessoas. Também foram concretizadas 26 Conferências Estaduais e uma Distrital, que juntas agruparam 23.085 delegados.
Organização e efetividade das Conferências
O Decreto 8.243/2014, que institui a PNPS (Política Nacional de Participação Social) e o SNPS (Sistema Nacional de Participação Social), estabelece que as conferências nacionais são “instância periódica de debate, de formulação e de avaliação sobre temas específicos e de interesse público, com a participação de representantes do governo e da sociedade civil, podendo contemplar etapas estaduais, distrital, municipais ou regionais, para propor diretrizes e ações acerca do tema tratado”.
Segundo a Secretaria-geral da Presidência da República, de 2003 a 2014 foram realizadas 102 conferências nacionais. Foram contempladas 40 áreas setoriais em níveis municipal, regional, estadual e nacional, com a mobilização de aproximadamente oito milhões de pessoas no debate e elaboração de propostas para as políticas públicas nacionais.
A Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea afirma que as Conferências legitimam, cada vez mais, “a democratização das políticas públicas por meio da participação da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais”.
Saiba mais em: http://www.ipea.gov.br/participacao/estudos-do-ipea/conferencias2
Nesse contexto, cabe destacar as críticas sobre a não autonomia do FNE, bem como ao adiamento da Conae, que estava prevista para fevereiro de 2014 e que foi transferida para novembro. Na época, o FNE informou em nota que o adiamento ocorreu em virtude de uma decisão administrativa do MEC (Ministério da Educação). O adiamento da Conae ocasionou desordem nas discussões advindas das conferências estaduais e municipais, relacionadas a algumas propostas que versavam sobre aspectos já aprovados ou refutados pelo PNE 2014-2024.
Os aspectos logísticos também foram destacados como pontos de atenção na organização da conferência. Do credenciamento ao serviço de hospedagens foram relatados problemas, com destaque para a ausência de tradutores em libras nas salas. Segundo o assessor da UMBRASIL, Prof. Ricardo Mariz, “a Conferência é grandiosa em vários aspectos. Isso é muito bom, mas carrega consigo vários desafios, um deles é o de logística, organização dos espaços e dos momentos. Como garantir um debate mais aprofundado dos aspectos centrais da Conferência com um grupo tão grande? Esse é um desafio do modelo de democracia participativa e que ainda precisamos aperfeiçoar”.
Para Mariz, também deve-se criar uma cultura do comum, do encontro. “Queria chamar atenção para o modelo de divisão do trabalho político. Em alguns momentos, parece-me que cada segmento tem uma pauta específica e está aqui para garantir as próprias questões. O que está em questão é muito maior do que os desejos desta ou daquela organização ou governo”.
A metodologia do encontro também é algo essencial para que este ou aquele tema não seja desprestigiado e que a pauta seja apreciada com total acuidade. “Penso que precisamos criar formas mais interessantes de discutir, aprofundar e decidir sobre as coisas. O que tento partilhar é que participar é exigente, mas não precisa ser algo maçante. Se resolvermos isso envolveremos mais pessoas”, finalizou Mariz.
Sistema Nacional de Educação
A Emenda Constitucional nº 59/2009 estabeleceu que o Plano Nacional de Educação, de duração decenal, tem por objetivo “articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas”.
O PNE determinou um prazo de dois anos para a institucionalização do Sistema Nacional de Educação, que garantirá a efetivação das 20 metas do Plano e a articulação entre os sistemas de ensino estaduais e municipais, em regime colaborativo. Dentre as diversas questões para normatização do SNE, evidenciou-se, também, a dicotomia entre os interesses dos setores público e privado. O debate sobre o Sistema Nacional de Educação deverá ser acompanhado de maneira cuidadosa pelos diversos setores envolvidos.
Educação Popular
A abertura da Conferência e a exposição Paulo Freire instalada no salão de entrada da II Conae, com especial atenção aos 51 anos da experiência de alfabetização de Angicos-RN, já sinalizavam o destaque que viria a ter a educação popular. Assume-se a dimensão política do ato educativo e a ressignificação da relação entre o saber popular e o saber escolar.
A educação popular defende que o diálogo é elemento central no processo pedagógico. Central porque educando pode ensinar enquanto aprende e o educador pode aprender enquanto ensina. O diálogo, a partir da perspectiva da educação popular, não se reduz a um recurso didático para tornar o ato educativo mais agradável, mas traduz o respeito a dimensão de “ser mais” (Freire) que todos nós possuímos”.
O Marco Referencial de Educação Popular para Políticas Públicas, lançado em maio de 2014, foi um dos assuntos debatidos com a participação de integrantes da RECID (Rede de Educação Cidadã).
Financiamento da Educação
Sobre a regulamentação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), foi destaque o Eixo VII – Financiamento da Educação, Gestão, Transparência e Controle Social dos Recursos, que foi coordenado por Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito a Educação. Como proposta para ampliar as arrecadações de recursos necessários à implantação do CAQi, foi inserida a reivindicação de regulamentação do “Imposto de Taxação das Grandes Fortunas e Movimentações Financeiras”, conforme Daniel Cara já havia declarado na entrevista exclusiva à UMBRASIL.
Ver Parecer CNE/CEB nº 08/2010: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=5368&Itemid
Conforme a Meta 20 do PNE, o CAQi deve ser implementado até 2016. Por isso, a plenária estabeleceu o prazo de maio de 2015 para que o CAQi seja previsto nas leis orçamentárias municipais, estaduais, do Distrito Federal e da União. Aprovou-se, ainda, a criação de uma comissão de diálogo entre Governo e sociedade civil para construir a regulamentação do CAQi. Esse foi um acordo entre MEC e sociedade civil, por meio da forte articulação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
A ampla discussão sobre o CAQi configura-se como um aumento da pressão popular para modificações na forma de financiamento da educação nacional, com fortes expectativas para a regulamentação dessa questão no Sistema Nacional de Educação. A reivindicação recai, principalmente, sobre o Governo Federal e Estados, considerados nessa discussão como os entes que mais arrecadam impostos e que, por isso, devem aportar mais recursos para a educação, com complementação e atenção aos municípios que não arrecadam o suficiente para manter os parâmetros do CAQi.
Perspectivas
O coordenador do FNE, Francisco das Chagas Fernandes, foi questionado, durante entrevista coletiva, sobre os desdobramentos pós-Conae, dentre eles destacam-se: Qual será a influência efetiva das propostas elaboradas na II Conae junto ao poder executivo? Como a sociedade civil e nova gestão do MEC em 2015 irão incorporar as propostas? Que mecanismos de monitoramento serão estabelecidos? Assim, sobressaem três aspectos para se garantir a efetividade no momento pós-conferência: devolução dos resultados, prestação de contas de acordo com os órgãos de controle e estratégias de monitoramento das deliberações.
A cobrança maior, de fato, foi pela rediscussão do papel da União na regulamentação do Sistema Nacional de Educação e no financiamento e arrecadação sobre grandes fortunas. Outras importantes questões podem ser salientadas como perspectivas de futuro para a educação, a exemplo da proposta de Lei de Responsabilidade Educacional.
Por fim, no processo de consolidação das conferências de educação muitos movimentos sociais já foram incluídos, a exemplo das mulheres e LGBTs, e outros estão por vir para a necessária ampliação do debate educacional no Brasil. Nesse sentido, o FNE se reunirá no dia nove de dezembro para iniciar o balanço da II Conae, a incorporação de novas entidades no Fórum e a eleição da nova coordenação, que, dessa vez, será da sociedade civil.
Ao final da II Conae, Ricardo Mariz analisou que “podemos pensar a CONAE 2014, nossa segunda Conferência Nacional de Educação, a partir do exercício da democracia. A democracia como uma referência em três dimensões: como princípio, como meta e como meio. Como princípio, fundamenta-se na percepção que somos seres sociais e que a democracia, com todos seus limites, é um modelo rico para nos organizarmos em sociedade e decidir sobre os rumos da coletividade. Como meta, reconhecemos que a democracia é uma dimensão a ser aprimorada, conquistada, ela aponta um norte a ser perseguido pela nação. Ampliar a intensidade da democracia brasileira é uma meta, aprimorando o modelo representativo e fortalecendo e ampliando as iniciativas de um modelo participativo, o que parece ser um grande desafio considerando as características geopolíticas do Brasil e nossa diversidade. E, como meio, busca estabelecer um caminho democrático que nos levará a intensificação da própria democracia. A Conae foi a expressão possível da nossa forma de fazer democracia. A Conae pode ser percebida como expressão da nossa “maturidade” democrática, com tudo o que já conquistamos e o que ainda precisamos conquistar. Uma tensão rica entre o que já fazemos no campo da educação e o que desejamos fazer. A educação não pode tudo, mas pode contribuir bastante para os rumos que o Brasil irá tomar nos próximos anos. A CONAE é um sinal que podemos caminhar juntos, com nossas especificidades, contradições e potencialidades. O futuro melhor, penso eu, depende de nossa capacidade de engajamento, diálogo e compromisso político”.